Como a prática de esportes influencia o trabalho dos CEOs

Publicado no Valor Econômico

Executivos que se dedicam a atividades físicas dizem que aperfeiçoaram habilidades como criatividade, resiliência e determinação

É possível – e altamente indicado – levar lições aprendidas durante a prática de esportes para o trabalho das lideranças nas empresas. Segundo especialistas e CEOs que se dedicam a atividades físicas, uma rotina de exercícios pode aperfeiçoar a capacidade de atuar em equipe e imprimir mais determinação à agenda de tarefas.

Encarar as falhas como oportunidades de crescimento e se adaptar rapidamente a novas estratégias também são habilidades que executivos do alto escalão afirmam que reforçaram com a adesão a modalidades como corrida de rua, judô, ciclismo e triatlo.

Para Andréa Kohlrausch, 48 anos, presidente da Calçados Bibi, marca presente em mais de 60 países, a prática de esportes ensina que nem sempre é possível vencer todas as empreitadas.

“É uma atividade que traz aprendizados também com as perdas”, diz. “Isso influencia no trabalho, pois a gestão dos negócios segue esse dilema. Diante dos desafios, é preciso ‘treinar’ e buscar conhecimento, se superar e ‘virar o jogo’.”

A executiva se dedica à corrida de três a quatro vezes por semana, a partir das 6h, e ainda divide a agenda semanal com o beach tennis. “Escolhi a corrida pela experiência com o esporte desde a universidade e por ser uma alternativa mais ‘democrática’”, explica. “Já o beach tennis me traz à memória o tênis e o voleibol que joguei na infância.”

Na direção da companhia desde 2019, Kohlrausch acredita que as modalidades que escolheu incentivam o desenvolvimento de estratégias, a boa comunicação e ações colaborativas. “São ensinamentos que levo para a empresa”, afirma. “Como líder, preciso orientar e saber trabalhar com times diferentes, como marketing, produção, importação e varejo.”

Kohlrausch, que calça os tênis de corrida há mais de 30 anos, “entre paradas e recomeços”, e frequenta as quadras de tênis de praia há mais de cinco, diz que as atividades dão combustível à jornada de compromissos. “Esporte é movimento, assim como os negócios”, compara. “Ambos exigem disciplina e persistência. A rotina física traz disposição para iniciar o dia e tomar decisões.”

Redução do estresse

Ivan Tertuliano, coordenador do curso de educação física da Universidade Anhembi Morumbi, endossa a opinião de Kohlrausch. “Fazer exercícios regulares melhora a circulação sanguínea e aumenta os níveis de energia, o que resulta em líderes mais dispostos”, explica. “Libera endorfinas, substâncias químicas do cérebro que atuam como analgésicos naturais que elevam o humor, ajudando a reduzir o estresse, a ansiedade e a depressão.”

O especialista destaca que gestores que se movimentam com frequência podem acumular vantagens como maior produtividade e uma melhor saúde em geral

“Os exercícios incrementam a função cognitiva, incluindo a capacidade de concentração, memória e raciocínio, o que torna os líderes mais eficazes na resolução de problemas”, diz. Contribuem para a manutenção de um peso saudável, melhoram o condicionamento cardiovascular e fortalecem os músculos, continua. “Pessoas que cuidam da saúde são menos propensas a doenças e ausências no
trabalho.”

Os “ensinamentos” desportivos são fáceis de serem aplicados na vida corporativa, destaca Tertuliano, doutor em desenvolvimento humano. “Esportes envolvem o trabalho em equipe, a tomada rápida de decisões e o gerenciamento de conflitos, habilidades ‘transferíveis’ para o ambiente de produção”, aponta. “Demandam disciplina, determinação e persistência, qualidades essenciais para chefias que
devem manter o foco em metas de longo prazo e na superação de imprevistos.”

No tatame

O coordenador da Anhembi Morumbi lembra que participar de esportes coletivos pode lapidar ainda habilidades de comunicação e de colaboração. “O que resulta em melhores relações com colegas e na formação de equipes coesas”, diz ele, que é membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte (Lepespe), ligado à Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Líderes fisicamente ativos tendem a ser mais calmos sob pressão e tomam decisões racionais.”

É o que acontece com Juliano Cornacchia, 45, CEO e fundador da Vórtx, plataforma de infraestrutura do mercado de capitais. O executivo, faixa preta em judô, pratica jiu-jitsu e virou adepto do triatlo desde 2007.

“Acordo 5h, de segunda a sábado, para me dedicar ao triatlo, revezando as modalidades [natação, ciclismo e corrida] diariamente”, detalha.“Não abro mão de começar o dia com energia.”

Cornacchia considera o esporte um “ritual”. “É o momento em que me desligo do mundo – do celular, e-mails e mensagens – para me conectar comigo”, revela. “Essa hora é um ‘reset’ que permite deixar para trás as preocupações do dia anterior e iniciar o trabalho com a mente clara, corpo energizado e a criatividade necessária.” O CEO diz que segue a cartilha dos hábitos esportivos também nas metas
profissionais. “Nenhum sucesso acontece do dia para a noite”, pontua. “Foram mais de dez anos até alcançar o sonho da faixa preta no judô e mais outros dez para completar um Ironman [competição de triatlo].”

Buscar conhecimentos e saber lidar com o fracasso foram outros temas que o gestor absorveu das provas e no tatame. “É importante ter humildade para ser um constante aprendiz e refletir o que pode ser melhorado”, avalia. “Os erros fazem parte do processo. Encarar os fracassos como oportunidades de crescimento é uma mentalidade poderosa.”

Cabeça leve

Na avaliação da neurocientista Marina Marzotto Mezzetti, autora do livro “O cérebro em ação – Os segredos para uma mente de alta performance” (Ed. Conectomus, 280 págs.), o exercício físico contribui para a qualidade das funções cognitivas, como o planejamento e a capacidade de resolver problemas.

O fortalecimento das conexões neurais se traduz em maior exatidão mental e na habilidade de tomar decisões sob pressão, fatores indispensáveis para dirigentes em ambientes dinâmicos e desafiadores, diz Mezzetti, que joga futebol. “A prática de esportes é como um ‘treino’ fora do meio corporativo, para o aperfeiçoamento de competências como a persistência e saber lidar com a frustração.” 

Segundo a especialista, executivos engajados em atividades físicas tendem a ter um maior controle na redução do estresse e da ansiedade. Isso impulsiona outras “gestões” cotidianas, como a melhor gerência do tempo, do sono e dos ruídos mentais, explica.“O líder precisa manter o foco em múltiplas demandas, sem se distrair com interrupções.”

Com o humor nos trilhos

Bruna Neves, 37, diretora geral da WeWork Brasil, do setor de coworking, acredita que a inclusão dos esportes na agenda a ajudou a ter um controle maior das emoções.

“Consigo tomar decisões mais ponderadas e lidar melhor com os desafios
corporativos”, diz ela, que pratica corrida desde os 18 anos e há dez descobriu o
ciclismo. “São os meus esportes preferidos porque acontecem ao ar livre, debaixo
do sol, e em contato com a natureza.”

Os grandes obstáculos da alta liderança são manter a saúde mental, equilibrar vida
profissional e pessoal e, principalmente, não deixar que as adversidades do trabalho
abalem o humor, lista a executiva, ex-head de inteligência de mercado na Uber.

“Muitas vezes, as questões que lidamos na função não são resolvidas no curto prazo
e é preciso ir com elas ‘para casa’”, relata. A fim de preservar a saúde e permanecer
por longos períodos em cargos de comando, é necessário fortalecer a mente para
que ela não saia do eixo, aconselha. “O esporte é como uma meditação que nos
apoia no ganho de musculatura emocional.”

Neves também identifica um viés de engajamento nos
exercícios físicos, que resvala para o mundo dos negócios.“O
resultado vem para quem se dedica”, reflete.“Constância e
comprometimento ajudam a alcançar objetivos.”

Rodrigo Vianna, CEO da Mappit, empresa da Talenses Group, holding de
recrutamento e seleção de executivos, chama a atenção para a força do exemplo e
da possibilidade de networking que o esporte pode levar para as diretorias.

“Participar de atividades esportivas pode ser uma forma eficaz de construir
relacionamentos profissionais”, lembra. Abre portas para novas oportunidades de
negócios e parcerias, destaca. “Líderes esportistas estão dando um bom exemplo para as equipes, ao promoverem uma cultura de saúde e bem-estar nas empresas
que dirigem.”